Sob forte calor, a Orquestra Voadora comemorou seus dez anos de carnaval no Aterro do Flamengo. Antes, porém, a ala de pernaltas, toda vestida de preto, realizou um ato contra a morte de mulheres e negros no estado.
Além dos dizeres “Vidas negras importam”, “Meu corpo, minhas regras” e “Não finja orgasmo”, o bloco prestou homenagem também à vereadora Marielle Franco, morta há quase um ano.
Viúva de Marielle, Mônica Benício chegou a fazer um breve discurso, de cima do carro de som, em que relembrou da figura da vereadora morta há quase um ano.
— É muito difícil, do campo pessoal, ver o nome dela em todos os lugares, mas também tem uma compreensão de continuidade de luta que é importante. Marielle se torna um símbolo de representatividade, de resistência, e é lindo ver isso. Se a vida dela não foi em vão, a morte não será — disse Mônica.
Ao som de sucessos suingados de Roberto Carlos, Fela Kuti, Chico Science e a música própria “Ferro velho”, o cortejo lotou as vias do Aterro e da Glória. A irreverência e o discurso encantaram a estudante Thayane Alcântara, de 22 anos que saiu de Irajá vestida de anjo para curtir o bloco pela primeira vez.
— Esse foi o bloco mais emocionante que vim este ano. Quando falou da luta das mulheres, me emocionei demais — disse a estudante com os olhos brilhando e se esbaldando ao som de “I will survive”.
O engenheiro eletricista Vinicius Bernardo desfilou pela segunda vez no bloco. Vestido de Jesus Cristo, ele sentiu na pele o que é ser uma celebridade deste porte antes da Quaresma.
A professora Ana Carolina Almeida, que mora no Centro, compareceu vestida de zumbi da aposentadoria. A fantasia, que é um dos hits desse carnaval, ganhou um acessório a mais: uma saia de laranjas.
— O ano de 2018 foi um marco político, mas hoje estamos tendo um maior engajamento. As pessoas estão voltando a ter graça por se manifestar, por isso os blocos estão virando atos públicos — disse a professora.
E a temporada é realmente de laranjas. Na frente da trupe, diversas delas apareceram em formas de bonecos, fantasias e cifrões. Ironicamente, de acordo com Julio Barroso, um dos organizadores do bloco, o desfile, apesar de juntar cerca de 160 mil pessoas e ser o maior público de bloco concentrado no Aterro do Flamengo, está saindo deficitário.
— A gente está sem o apoio de ninguém. É claro que ten o patrocínio de algumas marcas, mas é muito pouco. Só o carro de som é R$ 18 mil. Os músicos da orquestra fazem uma espécie de vaquinha o ano inteiro para viabilizar o desfile. Tem mais de 300 pessoas trabalhando, mas só quem ganha grana são os fornecedores — disse Julio.