Quando o reggae torto de “Can’t Stand Losing You” começa a ser tocado a plateia já não ocupa mais os lugares marcados e, de pé, desfruta de um grande desfecho para a noite. A música nem é o maior hit do The Police, mas, ao ser amalgamada com “Reggatta the Blanc”, como nos bons tempos do trio, soa mais que convincente no início do bis. No palco, na noite desta quinta (13/4), no Vivo Rio, não o Police original, mas Andy Summers, o guitarrista da formação clássica da banda, o guerreiro do rock Rodrigo Santos, no baixo e vocal, e o paralâmico baterista João Barone, um dos maiores do Brasil e, de quebra, eterno seguidor de Stewart Copeland. Batizado como Call The Police, o trio renova/atualiza o repertório clássico que, além do mundo todo, sempre fez particular sucesso por aqui. Por isso o arremate da noite, com “Every Little Thing She Does Is Magic”, este sim, o grande sucesso do trio, a festa é completa na casa lotada, com a configuraçao de churrascaria, tendo mesas e cadeiras como empecilhos.
O que não deixa de ser uma surpresa para Rodrigo, que se vê emocionado e até troca a ordem das estrofes em “Message In A Bottle”, mas nada tão perceptível para a plateia assim. O clima é de intensa interação, em sucessos como “So Lonely” e “Roxane”, e de distração também, em músicas como “Tea In The Sahara” e “Next To You”. O baixista fica tocado por que sabe da dificuldade de levar o rock adiante por essas bandas, e porque nem sempre tem boas condições e bom público como o dessa noite. Da última vez no Rio, por exemplo, o grupo, sem o nome Call The Police, e com o ótimo batera Kadu Menezes (Kid Abelha), o show foi em uma espécie de praça de alimentação em uma feira de comida na zona sul (relembre). No que vale a persistência de Rodrigo, que está prestes a restrear na nova formação do Barão Vermelho, banda que lhe deu maior projeção, entre tantos grupos como o de Lobão, João Penca e Kid Abelha, sem falar na sua carreira solo e tanto outros projetos.
Mas a estrela da noite é mesmo Andy Summers, e para entender o Call The Police é preciso deixar de lado o The Police como o mundo inteiro consagrou. Porque, lá, Summers é discreto e subordinado, e, aqui, é quem manda e reina absoluto como guitarrista mais arrojado e no comando, muito embora tenha em João Barone um parceiro de virtuose daqueles. Em torno de 10 mais velho que Sting e Copeland (born in de ’40s), Andy Summers já desfrutava de considerável carreira antes de o Police o admitir, sempre tocando de um modo enviesado/minimalista que se converteu em sua indelével característica. O que lhe garante estofo para revisar todas as músicas do repertório, alongando-as com interveções que ou são puro improviso ou foram formatadas desse modo para o show. Em “Spirits In The Material World”, por exemplo, é a guitarra quem toma o lugar dos teclados saturados da versão original. Em “Driven to Tears”, do rol nas menos conhecidas pelas mesas, a improvisação feita a partir do solo de Summers detona uma sensacional evolução intrumental, desafio que Barone encara com notória felicidade.
E ressalte-se que João Barone caprichou. Ao ser convidado por Rodrigo para tocar com um integrante de uma das bandas que mais o influenciou, preparou um set de bateria extraordinário – com o bumbo customizado com as cores da capa do álbum “Synchronicity” (1983) -, repleto de peças para tornar as músicas do show não só mais parecidas possível com as versões originais, mas para garantir um nível de variação rítima e sonora acima da média. Daí, quando Summers, soltinho que só ele, envereda por acréscimos instrumentais de ótimo gosto e abordagem, o baterista deita e rola com viradas inesperadas, contínuas variações e extensões sobre os arranjos originais, sem perder o andamento da música em si. E tudo com uma naturalidade que faz parecer que aquilo tudo é fácil de fazer; só tocar como o genial Copeland já é tarefa dificílima. A pauleira punk rock de “Next to You”; a precisão das viradas em “Hole In My Life”; e o climão no início de “Tea In The Sahara”, músicas menos bombadas, dão uma ideia do trabalho inventivo e, ao mesmo tempo, fiel à proposta original.
Em relação ao show de 2015, que era dividido meio a meio com músicas do Barão Vermelho, o repertório é naturalmente ampliado com 14 números no total. Dessa vez, ficou de fora “Wrapped Around Your Finger” e permanecem ausentes “King Of Pain”, belísima; “Don’t Stand So Close to Me”, incrivelmente pedida por um público as vezes pouco interessado; “Bring On The Night”, que, segundo consta, tem sido tocada nessa turnê; e até “Walking in Your Footsteps”, que seguramente seria terreno fértil para João Barone. Mas, honra seja feita, o show cobre bem todos os cinco álbuns da curta carreira do Police, em versões – repita-se – ampliadas que cumprem bem a hora e meia de show. Um segundo bis quase sai, mas Summers, sabe-se lá o porquê, não voltou ao palco e deixou Santos, Barone e mais duas mil pessoas esperando. Sorte que, com “Can’t Stand Losing You/Reggatta de Blanc” e “Every Little Thing She Does Is Magic”, tudo já tinha se resolvido, em um show que vale muito por não acontecer toda hora.
Set list completo:
1- Synchronicity II
2- Walking on the Moon
3- Driven to Tears
4- Spirits in the Material World
5- Hole in My Life
6- Invisible Sun
7- Tea in the Sahara
8- So Lonely
9- Next to You
10- Roxanne
11- Every Breath You Take
12- Message in a Bottle
Bis
13- Can’t Stand Losing You/Reggatta de Blanc
14- Every Little Thing She Does Is Magic
por Marcos Bragatto do site Rock em Geral